O nome "RAP da Saúde" remete ao estilo musical que mistura ritmo e poesia, usado para expressar inquietações. O gênero pode ter influenciado os criadores, mas trata-se da sigla de Rede de Adolescentes e Jovens Promotores da Saúde, um curso destinado a jovens de comunidades da cidade do Rio de Janeiro que, em sua maioria, vivem em situação de extrema pobreza.
O projeto nasceu em 2015 como um curso que capacita jovens de comunidades do Rio a atuarem nas áreas da saúde, tecnologia, empregabilidade, educação, cultura, assistência social e direitos humanos. A ideia, no entanto, surgiu em 2007, a partir da experiência da Secretaria de Saúde do município nos "Adolescentros" da Maré e da Rocinha.
Durante nove anos, o projeto formou mais de 700 adolescentes e jovens de 14 a 24 anos, a maioria pretos e pardos. No período, realizou 13.553 ações educativas e de mobilização social, alcançando 494.634 pessoas. A turma atual tem 178 jovens atuando em 33 unidades de saúde, distribuídas entre as dez Áreas de Planejamento em Saúde do município.
O "RAP da Saúde" foi um dos ganhadores do Prêmio Espírito Público (PEP) na categoria Promoção e Prevenção da Saúde Mental de Adolescentes. O prêmio é uma realização da Parceria Vamos, e essa categoria foi apoiada pelo Instituto Cactus.
Futuro dos sonhos
O programa foca em transformações de trajetórias de vida como a da estudante Nathália Amorim, de 21 anos.
Durante a pandemia de Covid-19, a jovem Nathália viu, aos 18 anos, sua família desestruturar-se. As seis pessoas que viviam em uma pequena casa no Rio de Janeiro ficaram desempregadas ao mesmo tempo. Diante de toda a situação, a mãe desenvolveu transtornos mentais.
Após brigas entre familiares, as duas foram viver em outra comunidade, em uma casa abandonada. Lidando com os surtos da mãe, a jovem foi vender balas na rua. A sobrevivência passou a ser por meio de cestas básicas, mas a fome assolou as duas. Desnutrida e com a saúde debilitada, Nathália conheceu o "RAP da Saúde".
"Passei a frequentar as aulas e, com o valor da bolsa, pude melhorar a situação em casa. Em dois anos, minha vida foi transformada. Após concluir o curso, passei a fazer parte da equipe e voltei a sonhar. Com meu salário, pago o tratamento da minha mãe e estou fazendo um cursinho para as provas do Enem. Frequentei locais em que nunca imaginei pisar, entre eles a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde dei uma aula para estudantes de Medicina sobre promoção da saúde. Cursar uma universidade havia saído dos meus sonhos. Quero fazer Psicologia ou Direito", disse Nathália, hoje com 21 anos.
Ao serem inseridos nas unidades de saúde, os jovens são instruídos para desempenharem o papel de promotores da saúde. Eles atuam em diversos espaços de seus territórios, como Unidades de Atenção Primária, escolas (por meio do Programa Saúde na Escola), praças, espaços de sociabilidade do bairro e rádios comunitárias, além das redes sociais.
Os jovens se apropriam e divulgam informações em saúde, especialmente de saúde mental, e promovem a conscientização sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), gênero, diversidade, racismo, mudanças climáticas, direitos sexuais e reprodutivos, violências e promoção da cultura de paz.
A realização de rodas de conversa faz parte da formação desses jovens, segundo Márcio Baptista, servidor público especialista em comunicação e saúde, que coordena o "RAP da Saúde".
"A maioria não consegue falar com a família sobre o sofrimento psíquico pelo qual está passando. Aos poucos, conseguem se soltar nas rodas de conversa após perceberem que haverá sigilo. Procuramos inserir esses jovens na rede de saúde e, se houver necessidade, encaminhamos para os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)", explica Márcio.
Bolsa e duração
Com duração de 11 meses, o curso é dividido nas funções de Multiplicador, para quem tem capacidade de disseminar informações e não exige prática anterior, e Dinamizador, com experiência requerida em participação de protagonismo e liderança juvenil, com carga horária de 12 horas e 16 horas por semana, respectivamente. A remuneração é mensal. O Multiplicador recebe uma bolsa de R$450, e o Dinamizador, R$650.
Geralmente, segundo o coordenador do projeto, o valor da bolsa é o sustento das famílias. Ao término do curso, o jovem pode concorrer a vagas nas Organizações Sociais (OSs). O curso inclui ainda jovens trans e pessoas com algum tipo de deficiência. Há uma unidade só de surdos, por exemplo.
Para o futuro do projeto, algumas ideias estão sendo iniciadas. Há previsão da realização do curso de "Promotores de Equidade", replicando o formato do "RAP da Saúde" para a população em situação de rua, acolhida no novo CAPS AD III Dona Ivone Lara e na Residência e Unidade de Acolhimento Sonho Meu, ambos em Cascadura, Zona Norte do Rio. Os alunos serão qualificados e também realizarão ações de promoção da saúde entre seus pares. Outro projeto também está em andamento, nos mesmos moldes, mas voltado para a população privada de liberdade: o curso "Monitores de Promoção da Saúde", dentro do sistema prisional.